A máxima é que há tantos escritores quanto leitores no Brasil. Se isso for verdade, então podemos dizer que já existem quase tantas editoras quando escritores, também.
Para quem está inserido de alguma maneira no mercado, a impressão que dá é que a cada dia uma nova editora nasce, já anunciando seus editais para antologias e fazendo promessas de realizar sonhos. A palavra “sonho” me incomoda um pouco, me dá a impressão de objetivos que são cumpridos sem esforço, num passe de mágica, geralmente com uma figura externa – um anjo – acreditando no potencial do autor e decidindo apostar todas as fichas nele.
Escrever é uma profissão. Árdua. Infelizmente para ser publicado o autor precisa ser relativamente famoso, o que o leva a perder tempo com tudo – aprender a mexer e criar um site, fazer artes de divulgação, gerar conteúdo para newsletters, blogs, páginas de Facebook e Instagram, aprender sobre marketing, pesquisar e contratar capistas, diagramadores, revisores, pesquisar sobre gráficas e impressão – menos escrever. Quando o escritor erra, contratando um revisor incompetente, fazendo um site pouco dinâmico ou gerando conteúdo sem relevância para seu público, ele é punido pelo “feedback” de pessoas que não compreendem que aquela é uma única pessoa fazendo o trabalho de seis. E com cada vez menos tempo para escrever, as chances de melhorar sua escrita diminuem. Ao precisar contratar revisor, diagramador e capista, sobra pouco dinheiro para um leitor crítico ou editor.
Voltemos ao “sonho”
O escritor esquece que seu objetivo é escrever bons livros para um público que os deseja. O objetivo vira “ser publicado por uma grande editora” e ele acredita que o melhor caminho é começar pelas editoras pequenas para construir público. Em primeiro lugar: nem sempre uma grande editora é uma boa para o autor, que passa a ser só mais um lá dentro e provavelmente só tem uma chance de agradar. Se o livro não vender, já era: ele fica queimado, mesmo que a falta de vendas não seja culpa apenas dele. Dificilmente a editora vai continuar investindo em quem não vende. Em segundo lugar, editoras médias e pequenas, quando sérias, podem oferecer oportunidades e um verdadeiro lar para um escritor que tem comprometimento com sua arte e carreira. Mas aí vem a má notícia: poucas são as editoras pequenas com esse perfil.
Vale lembrar que estamos em crise no mercado editorial, e que se editoras gigantes estão demitindo funcionários e reduzindo a quantidade de livros publicados, a editora pequena também está crise. Ela tem pouca grana para investir e vai sobreviver por meio de antologias e publicações pagas pelos autores. Mas se ela tem pouca grana, não consegue pagar funcionários e por isso, a maior parte delas é feita de uma pessoa só, inevitavelmente sobrecarregada e provavelmente sem o know-how para cuidar de todo o processo editorial (antes de surtar, entenda que estou falando de edição, preparação e texto e revisão, trabalhos que ficam melhores quando feitos por mais de uma pessoa).
É errado pagar para ser publicado?
Não. Mas se você está contratando uma editora, não prefere contratar uma que tem um editor de verdade? Não prefere uma editora que seja dedicada a divulgar seu livro, colocá-lo em feiras, livrarias e outros pontos de venda? Qual é o seu objetivo na contratação de uma editora, além de ter um logo na capa? Leia aqui o post sobre como vaidade empata todas as fodas.
O que uma boa editora tem?
Não importa seu tamanho, uma boa editora tem alguém que sabe editar textos. Isso não significa que o cara vai mudar seu original da forma que ele achar melhor e publicar sem que você saiba das mudanças (baseado numa história real). Editar é um trabalho que nasce de muito estudo e prática. É saber eliminar as redundâncias e palavras soltas de um texto, substituir palavras, reordenar frases, parágrafos e até capítulos, saber o que deve ser completamente eliminado e o que precisa ser reescrito. É tornar o texto dinâmico e apropriado para o leitor final, tipo de público, gênero, etc. O processo de edição faz com que o livro vá e volte entre editor e escritor diversas vezes antes que o original possa ser revisado.
Uma boa editora vai dar um jeito de fazer seu livro chegar aos leitores. Terá parceiros para divulgá-lo, vai leva-lo às feiras literárias, desenhar uma campanha de marketing para ele, tentar colocar o livro e o autor em jornais, revistas, TV, rádio e outras mídias, além de eventos como expos, bienais, etc. Vai promover intensivamente a pré-venda, o lançamento e a fanpage. Irá mostrar paixão pelo projeto e orgulho do escritor. Vai escolher um bom revisor e capista para tornar o produto mais atraente e conhecer o livro a fundo para poder falar sobre ele. E claro, vai escolher o texto por seu potencial e sua qualidade e não apenas porque o escritor tem uma certa quantidade de seguidores ou está disposto a desembol$ar qualquer valor para conseguir ser publicado.
Além de tudo, uma boa editora tem ética. Isso significa tratar leitores e blogueiros com respeito. Significa cumprir prazos e quando isso não for possível, comunicar-se com transparência. Ética é deixar o autor ciente de tudo o que está acontecendo com seu original, é pagar royalties em dia, cumprir o contrato, ser honesto sobre quantos livros foram impressos e vendidos (sim, tem editora que banca tiragens sem avisar o autor para não ter que pagar royalties e o autor só descobre quando mais de duas mil pessoas têm seu livro em mãos, sendo que a tiragem “única” foi de mil). Eu poderia passar o dia inteiro citando mais obviedades que têm como denominador comum a honestidade.
Antologias
Meu Deus, você vai tomar um cafezinho e quando volta dá de cara com mais quinze antologias. É claro que muitas antologias são ótimas: reúnem bons textos que exploram um tema interessante e entregam uma boa leitura para o público. Mas vamos ser sinceros, quantas antologias de fato têm esse perfil? Antologias são uma maneira de uma editora garantir uns 60, 80 livros vendidos, partindo do pressuposto que cada autor vai comprar um ou dois exemplares. Muitas vezes o objetivo não passa disso. Na maior parte das vezes quem vai comprar aquela antologia são os autores que têm textos nela e meia dúzia de leitores interessados. A maioria das antologias não passam por um bom processo de edição, ganham capas e diagramações desleixadas e feias e nunca vão chegar nas mãos de leitores. A editora fica com um trocado, ou até uma boa grana se os autores tiveram coragem de pagar 200, 300 ou até 400 Reais para participar. Agora vamos aos disclaimers antes que a falta de interpretação me custe caro:
É errado pagar para participar de antologias? Cara, se aquele livro vai cumprir o objetivo de levar sua escrita para novos leitores, não é errado. Mas a verdade é que poucas conseguem fazer isso.
Você está falando que antologia é ruim? Não. Inclusive já participei de várias e até publiquei Mulheres Vs Monstros este ano*. Estou dizendo que há uma abundância de antologias sendo publicadas e poucas delas passam por um trabalho sério de edição, chegando raramente às mãos de mais de dez leitores que não participaram dela.
* antologia que remunerou antecipadamente os autores e teve como ideia reunir artigos e contos dos principais escritores de sci-fi, horror e fantasia do cenário atual
Então o que você está falando?
Apenas que enquanto o escritor encarar sua trajetória no mercado editorial como um sonho, ele corre o risco de cair em ciladas. Eu já vi contratos que me deixaram de queixo caído: publishers prevendo multas de quinze mil Reais se o autor fosse para outra editora, sendo que o autor é que estava contratando a editora, por exemplo. Muitas vezes os contratos não especificam data de publicação ou tiragem, sendo bizarramente vagos. Minha reação ao ver esse tipo de contrato e um autor empolgadíssimo para assinar foi refletir sobre os motivos pelos quais alguém faria isso. É a porra do “sonho” de ter aquela chancela, do medo de se declarar independente. O que mais me irrita? O autor que pede conselhos sobre a editora que está oferecendo um contrato e quando você é sincero, ele diz: “ah, mas vou arriscar”. É por isso que eu parei de dar minha opinião sobre editoras específicas e só fico no “tem que ler o contrato com calma...tem que ter cuidado...”.
Então o escritor é um coitado e as editoras são malvadas?
Se você entendeu o texto dessa maneira, você tem problemas cognitivos. Procure um especialista.
Eu já vi muito editor foda: gente apaixonada por literatura, com vontade de conviver entre livros, histórias e autores. E já vi escritor sacanear editora, também. Muitos. Há editoras grandes que tratam os autores com respeito e há editoras pequenas perigosas. E é justamente porque o mercado é perigoso que eu fiz este post. É importante que o escritor saiba que ele tem opções, que muitas vezes é melhor ficar sozinho do que estar com uma editora e que é preciso um olhar mais frio e objetivo na hora de ler um contrato e estabelecer uma parceria, paga ou não. Eu amo editoras pequenas como a Lendari, a Monomito, a Avec e a Wish, por exemplo. Mas eu também já conheci editores desonestos e editoras bem intencionadas, mas sem a experiência necessária para cumprir o que prometeu aos autores.
Moral da história?
Um amigo me disse esses dias que só podemos julgar se formos perfeitos. E eu erro, também. Não é porque eu sou imperfeita que preciso, no entanto, ficar quieta e deixar de fazer por outros o que eu gostaria que tivessem feito por mim no começo da carreira: alertar, compartilhar experiências e conscientizar. Eu não sei de tudo e não tenho direito de dar a palavra final em nada. Não é o motivo do post. O que eu acho bacana é que o diálogo exista sempre, principalmente entre os autores, para que fique mais fácil separar as editoras que erram, mas com boas intenções, daquelas que são sacanas. Dos contratos que podem ser negociados dos que são armadilhas óbvias. Dos editores que trabalham textos com carinho e habilidade daqueles que os tratam com desdém e deboche. E principalmente, das editoras que estão no mercado por amor à literatura (e claro, para sobreviver num mundo capitalista) daquelas que foram criadas com o único propósito de se alimentar dos sonhos dos outros pelo máximo de tempo possível antes de desaparecerem, deixando para traz gente injustiçada, magoada e sem vontade de continuar escrevendo.
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